quarta-feira, 29 de abril de 2020

Resenha: O Corredor Estreito (Daron Acemoglu e James Robinson)

Acemoglu e Robinson constroem a teoria do corredor estreito, explicando como a liberdade emerge em algumas nações

corredor estreito


A famosa dupla lançou o seu terceiro livro no ano passado, dando continuidade aos trabalhos anteriores sobre a relação entre as instituições políticas e econômicas com a prosperidade das nações. Daron Acemoglu e James Robinson não decepcionaram.

O objetivo do livro é mostrar como a liberdade individual pode surgir pela interação do poder do Estado com a mobilização de sua população em reivindicar pautas. Através dessa liberdade, as nações seriam mais prósperas, pois liberdade individual possibilita o surgimento de inovações em métodos produtivos, a construção de novas ideias e a experimentação de diferentes organizações para atingir determinados fins. Por enquanto, nada de muito novo na literatura.

A inovação e teoria central do livro é o gráfico abaixo. O eixo vertical mensura o poder do Estado, entendido pela sua força em criar leis e fazê-las serem cumpridas, pela sua extensão em fornecer serviços públicos e regular a vida social, política e econômica da sociedade. No eixo horizontal temos o poder da sociedade, correspondendo pelo grau de participação popular na discussão de políticas, da direção na qual o governo irá tomar, movimentos (associações, partidos) protestando determinadas medidas, ou reivindicando políticas, isto é, a mobilização da sociedade para moldar a direção do Estado.
Caso o poder do Estado cresça sem o concomitante fortalecimento da mobilização da sociedade para restringi-lo, temos um Estado autoritário, com a China sendo o grande exemplo atual. Por outro lado, quando o Estado é fraco, não conseguindo impor leis, as normas e costumes sociais governam a vida da população. Nesse caso, temos um Leviatã Ausente (os autores pegaram o termo Leviatã emprestado de Thomas Hobbes). O caso chinês seria um Leviatã Despótico

Os dois paradigmas citados são de sociedades com baixa liberdade individual. No primeiro (China), o Estado restringe o empoderamento social, enquanto no segundo caso (alguns países africanos), a própria sociedade, por meio de regras informais, constrange a liberdade das pessoas. É no meio desses dois extremos que temos o corredor, o caminho pelo qual a sociedade pode obter liberdade individual.

O corredor depende da interação simultânea do fortalecimento tanto do Estado quando da mobilização da sociedade. Um Estado forte para impor leis e limitar condutas contrárias à ordem pública. Uma sociedade mobilizada para conter esse Estado, ao mesmo tempo exigindo que o mesmo atenda demandas sociais de todos os grupos. Assim temos o Shackled Leviathan (Leviatã agrilhoado, restringido). Inglaterra, Estados Unidos e Atenas da antiguidade são exemplos de sociedades que conseguiram entrar e permanecer no corredor.

Uma vez dentro do corredor, não há a garantia de que o país permanecerá nele no futuro. A república de Weimar na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial é dada como exemplo para elucidar esse ponto. A Alemanha era uma nação democrática e com população escolarizada, entretanto, ao permitir o crescimento da força do Estado, com uma parca mobilização da sociedade para freá-lo, deu origem ao governo Nazista de Hitler, juntamente com o seu autoritarismo.

Esse exemplo é importante porque Acemoglu e Robinson irão enfatizar em diversos momentos do livro a necessidade do crescimento de forças simultâneas, e não somente de forma unilateral. O Estado deve se fortalecer para conseguir ofertar serviços públicos, mas também a mobilização, o empoderamento e  a participação da sociedade devem igualmente recrudescer para frear a força do Estado, de forma a torná-lo restrito a determinados limites (corredor). O corredor de fato é estreito. E a luta entre maior Estado e população mais engajada politicamente não cessa. É um processo dinâmico.

No final do livro os autores discutem problemas atuais dos Estados Unidos, como o aumento da desigualdade de renda e a perda de empregos em virtude da globalização. A solução proposta é baseada no sucesso do Estado da Suécia em conciliar demandas de diferentes grupos (fazendeiros, industriais e trabalhadores) após a Grande Depressão de 1929. A Suécia seguiu à risca a teoria do corredor estreito, criando um Estado forte e capaz de fornecer uma  ousada rede de serviço público que abrangesse toda a população, ao mesmo tempo não se deslocando para o autoritarismo, uma vez que a população se mobilizou aumentando sua participação no processo político. 

Assim, os autores utilizam economia e política para fornecer respostas aos atuais desafios. Defendem inclusive o tabelamento do salário mínimo para níveis maiores e a extensão de serviços públicos (educação e saúde) para toda a população. Reconhecem que são políticas que não seguem o livro-texto de economia, mas que se justificam ao considerar o empoderamento da população e a utilização do Estado como forma de mitigar os atuais desafios. Tenho um pouco de dúvida sobre essas recomendações. Adiciono também a ressalva de que praticamente nada foi mencionado sobre o crescimento que essas medidas causariam sobre a dívida pública.

De qualquer forma, é uma grande obra, que causará boas discussões e reflexões sobre a forma como as sociedades são moldadas e funcionam atualmente. 


























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