quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Resenha: A Crise de 2008 e a Economia da Depressão (Paul Krugman)

Krugman oferece explicação para a crise asiática de 1997

crise asiática 1997


Essa é a segunda resenha que escrevo de Paul Krugman, laureado Prêmio Nobel de Economia em 2008. No livro Argumentando com zumbis: Economia, Política e a luta por um Futuro Melhor, o autor discutiu vários tópicos (na verdade, a obra é uma coletânea de textos publicados ao longo do tempo) relativos à política e economia. Na essência, Krugman discute algumas imperfeições dos mercados, mostrando ao mesmo tempo possíveis soluções. Em A Crise de 2008 e a Economia da Depressão não é diferente, todavia, o foco recai sobre uma falha específica, a suscetibilidade à crises financeiras de economias desreguladas

A crise financeira de 1997, ou crise asiática, deflagrou inúmeros trabalhos acadêmicos procurando responder e entender os principais gatilhos para o episódio. Economias tidas como robustas e resilientes, casos da Coreia do Sul, da Tailândia e da Indonésia, sofreram rapidamente forte queda do crescimento, do valor da moeda e passaram a conviver com desequilíbrios macroeconômicos. O que causou isso? 

A explicação de Krugman é a de que os movimentos de aberturas de mercados financeiros, algo característico na década de 1990, fizeram com que diversas economias, previamente sólidas e resistentes às oscilações externas, se tornassem fragilizadas. Passaram a depender de fluxos (capitais) externos. E como não detinham o controle sobre esses fluxos, uma avaliação desfavorável do mercado financeiro (ainda que incorreta) poderia ativar saída maciça de capitais, desvalorizando a taxa de câmbio, cortando fontes de financiamento e decretando crises financeiras. 

A figura abaixo pode ajudar a entender essa dinâmica. Vamos começar pelo círculo de perda de confiança ("loss of confidence"). Por algum motivo, os investidores perceberam algo que julgaram inadequado nessa economia (a crença pode ser falsa e desprovida de fundamentos, o que realmente importa é que ela exista), logo, há uma perda de confiança. Como consequência (segundo círculo), esses investidores retiram os capitais aplicados. Nessa situação, a taxa de câmbio se depreciará conforme a saída de capitais se acelere. Procurando amenizar a saída desses recursos, o banco central pode elevar a taxa de juros - ou também para melhorar o ambiente econômico. O fato é que ambos os movimentos podem contribuir para piorar o crescimento econômico, como se observou em 1997.

crise financeira


O terceiro círculo ("financial problems") retrata a piora da solvência financeira de bancos e demais instituições financeiras. Como se endividaram em dólares, essa dívida se tornou mais cara com a saída de capitais e a subsequente desvalorização da taxa de câmbio. Essas instituições, por excelência responsáveis por empréstimos, deixarão de efetuar essas operações. Pior, alguns dos devedores serão incapazes de honrar essas dívidas. Temos uma crise generalizada. 

Fator paralelo que contribuiu para exacerbar a crise foi a relação ilegal e criminosa entre governo e agentes do setor privado, cunhada de "capitalismo de compadres" (mesma situação vista aqui no Brasil entre políticos e empresários, como a da empresa Odebrecht). O governo beneficia algumas pessoas por proximidade política e/ou parentesco, fornecendo crédito barato em troca de apoio político. Mas como observa Krugman, esse tipo de falha já estava presente antes da crise. Por que ela seria então a principal responsável pela crise em 1997?

Se aproximando do final do livro, o autor argumentará que a exposição demasiada de economias ao setor financeiro cria um paradoxo entre políticas econômicas. Essas passam a ser implementadas para se adequarem aos anseios dos mercados, em detrimento da população. A busca de confiança se torna um fim em si mesma. Esse tipo de conflito é apontado por alguns autores como existente no caso brasileiro em relação ao Teto do gasto público. 

Como solução, Krugman defende a expansão do gasto público, o qual recolocaria as engrenagens da economia em funcionamento, desbloqueando setores com falta de financiamento e gerando renda para desempregados. Todavia, como apontado no parágrafo anterior, tal aumento de despesa poderia ser bloqueado caso o mercado financeiro o julgasse como inadequado, fazendo com que a confiança piore. 

Colunista do New York Times, Krugman fez parte da geração de vários economistas (meu caso), se tornando referência na área. Entretanto, nos últimos anos o autor passou a dar mais ênfase ao lado político em seus textos, utilizando menos de técnicas da Ciência Econômica. Essa inflexão pode ser vista no livro Argumentando com zumbis: Economia, Política e a luta por um Futuro Melhor. Como economista, interpreto essa mudança como uma queda na qualidade dos seus textos. A boa notícia, por outro lado, é que o livro que inspirou a resenha que vos escrevo não data desse período, logo, temos o velho e competente Krugman utilizando prioritariamente ferramentas de economia. Podemos discordar de algumas de suas teses e propostas, mas elas são bem fundamentadas e construídas.  

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