sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Afirmar que o teto do gasto é crueldade com os pobres é desinformação

Por outro lado, sozinho, o teto está condenado a ser desrespeitado

vazamento gasto adicional


A confusão de relacionar o teto do gasto público com "crueldade" efetuada pelo governo ganhou mais um exemplo nesse texto aqui, de Cida Bento. Argumenta-se que a exigência de disciplina fiscal terminou por retirar recursos da saúde, do SUS, condenando milhões de brasileiros à miséria. Afirma-se que a desigualdade de renda e a violência tenderiam a se elevar em virtude dessa "agenda neoliberal, absolutamente cruel". 

Esse tipo de analogia e dualidade não é raro, pelo contrário. No livro de Bernardo Guimarães, A Riqueza da Nação no Século XXI, o autor apontou a separação entre os bonzinhos e os malvados como problemática para o avanço do debate econômico do país. Isso ocorre porque simplesmente não faz sentido analisar tópicos de economia realizando essa distinção. Estes são complexos, com variados efeitos no curto e longo prazo, atingindo diferentes grupos.

Sobre o teto do gasto, este não foi construído para fragilizar populações pobres. O Brasil possui dívida pública ascendente, sem previsão de estabilidade, despesa crescente (principalmente com previdência e funcionalismo) e historicamente os gestores do erário público gastam mais do que arrecadam, comportamento insustentável no longo prazo. O teto foi uma forma de lidar com essa questão. Entretanto, foi acordado que apenas o teto não era o suficiente, medidas acessórias seriam necessárias, como reformas para desacelerar o crescimento dos gastos e aumentar a receita tributária. Não fizemos essa última parte.

Como nossa estrutura de gastos públicos é rígida por lei e regulamentações, não é possível, no curto prazo, alterar determinadas despesas (são as reformas que alteram essa rigidez). Recorrem-se às despesas discricionárias, isto é, aquelas que podem ser remanejadas. Nesse ponto, entra o gasto com a saúde, que sofre cortes para fazer com que o governo cumpra o teto do gasto público.

Então, a ordem de causalidade é: como não enfrentamos os cortes realmente necessários (funcionalismo, previdência, subsídios), os formuladores de política econômica buscaram gastos que seriam mais facilmente reduzidos. Pode-se até utilizar o adjetivo "covardia" para elucidar a falta de empenho dos políticos para adequar a máquina pública às especificações do teto. O texto de Cida Bento não menciona essas questões secundárias que permeiam o teto, consequentemente, cria-se a ilusão de que essa restrição fiscal intertemporal imposta às contas públicas foi ato maléfico, forjado somente para punir os pobres. É desinformação sendo difundida. O que ocorreu foi omissão de nossos representantes em realizar as reformas necessárias, que colocariam as finanças públicas da economia brasileira em ordem, contribuindo para reduzir o risco país, facilitar o financiamento interno e pavimentar o caminho para o crescimento econômico. 

Mas temos de entender o lado dos políticos envolvidos. Essas reformas que cortam gastos (benefícios e privilégios) são sempre impopulares. Poderiam colocar em risco futuras reeleições. Decorre disso que parte da responsabilidade pela omissão das reformas deve ser atribuída sobre nós brasileiros, pela desinformação, pois muitos apresentam a mesma visão criticada nesse artigo, a de que reduzir o gasto público é praticar maldade com os pobres, que esse mesmo gasto é o principal ingrediente para o Bem Estar.



 

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